Próteses em Medicina Veterinária: um pouco de história
Tal como nas mais diversas áreas médicas, assiste-se a uma constante inovação e desenvolvimento, com consequente oferta de produtos. Em ortopedia, as próteses refletem esse esforço de desenvolvimento.
Henrique Armés, DVM MSc MBA PhD
As primeiras endo-próteses a serem comercializadas em veterinária, enquanto opção real de tratamento, foram as próteses de anca, não modulares Richard II, em meados dos anos 70. Eram aplicadas com cimentos ósseos e não tinham qualquer modularidade. Os componentes femoral e cabeça eram fixos. Contudo, desde os anos 90, surgiram muitas inovações. A modularidade foi acrescentada pela Biomedtrix®, em 1990, com o “Canine Modular Hip System” que, com diferentes materiais e diferentes conceitos biomecânicos, permitiu melhorar a técnica e obter melhores resultados. Foram posteriormente acrescentadas ao mercado veterinário as próteses anatómicas e bloqueadas, não cimentadas. Micro e nano próteses de anca para cães miniaturas e gatos aumentaram o espectro de soluções para a anca.
Próteses para outras articulações, como o joelho, foram também apresentadas recentemente pela indústria, com conceitos muito próximos daqueles apontados para a humana. Atualmente, a substituição total com prótese do joelho, ou parcial com próteses da tróclea, têm demonstrado bastante sucesso.
As próteses totais de cotovelo, especialmente desenhadas para artrose severa, têm sido apresentadas com um sucesso questionável, numa articulação complexa e aparentemente não copiável daquela existente em Humana. Algumas soluções de substituição parcial unicompartimental como CUE tem demonstrado resultados animadores e, atualmente, apresentam-se como uma técnica eficaz e segura para patologia do compartimento medial.
Assim, parece evidente que cada vez se apresentam mais alternativas de substituição articular, com ofertas de próteses para a generalidade das articulações, à semelhança do que acontece no “estado da arte” em Humana. Seguramente que num futuro próximo seremos surpreendidos com mais e melhores implantes para cada uma das articulações.
Mais recentemente, próteses que são feitas à medida, customizadas, têm também vindo a desempenhar um papel relevante no acrescento de soluções cirúrgicas de substituição, quer por questões da variabilidade anatómica do paciente, que dificulta a aplicação dos implantes convencionais standard, quer por patologias muito específicas, nomeadamente a oncológica, que obriga a um desenvolvimento do implante de forma personalizada. Neste caso, as próteses visam substituir o defeito criado pela lesão, o qual, pelas suas particularidades, dificilmente pode ser coberto por implantes padronizados. Nesta matéria as próteses de mandíbula ou de maxila revestem particular interesse, não só pela sua crescente aplicação em veterinária, mas também pelo desafio que representam quanto ao desenho e materialização. Estas aparentam já estar ao alcance do médico veterinário e são um bom exemplo da entrada das práticas tecnológicas e digitais na cirurgia veterinária.
Existem próteses cuja ligação ao osso se estabelece com recurso a cimentos ósseos PMMA, método este ainda hoje utilizado. Trata-se de próteses cimentadas. Contudo, parece existir uma tendência dos cirurgiões para implantes cuja ligação se produz com integração de forma natural, biológica. Estas são as próteses não cimentadas, que recorrem à osteointegração para manter a ligação ao osso.
Quer na área da osteintegração e biocompatibilidade, quer no desenho do implante, as empresas de biomédica têm sempre tentando obter melhores performances. Um bom exemplo desse progresso é a busca constante por pares de materiais para a articulação protésica, com menor ação de atrito. Assim, atualmente, a utilização de tratamentos superficiais com recurso aos cerâmicos como DLC “Diamond-like carbon” ou PVD “Physical Vapor Deposition”, concedem à face articular do implante uma superfície quase isenta de atrito, permitindo aproximar o seu desempenho à articulação natural saudável, apesar de, no atual “estado da arte”, ainda não ser possível imitar a performance natural.
Outro exemplo da constante investigação e desenvolvimento é a busca por melhores soluções de osteointegração. Muito temos evoluído nesta matéria. Alguns tratamentos de superfície conseguem aumentar a porosidade e rugosidade do implante, facilitando a entrada de osso no implante e, consequentemente, a sua adesão mecânica. Outros tratamentos acrescentam biomateriais como a hidroxiapatita que permite uma adesão biológica do implante.
Relativamente aos materiais utilizados na materialização das próteses, tem sido uma evidência que o titânio tem vindo a ganhar espaço enquanto biomaterial mais “amigo” do osso, mais resistente e que mais promove a melhor ligação do implante ao osso. Algumas marcas têm vindo a substituir o cromo-cobalto, Cr-Co, por este metal. Para promover a osteointegração, algumas empresas começaram a tratar as superfícies de implantes com hidroxiapatita, permitindo desta forma uma osteointegração plena.
Nem todos os implantes têm o mesmo grau de desempenho e sucesso de curto e longo prazo. Naturalmente, a crescente procura por parte dos tutores, o interesse demonstrado pelos cirurgiões e a contínua investigação da indústria, irá ajudar a que nos próximos anos se desenvolvam cada vez mais e melhores implantes.
Henrique Armés, DVM MSc MBA PhD