Cães têm memória e podem imitar-nos

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“Só lhe falta falar, entende tudo o que lhe digo”. Estas são frases que, quem tem cão, costuma usar, deixando, muitas vezes, os interlocutores a pensar o quão exagerados e babados são os donos. Mas será que têm razão? A ciência vai dando credibilidade a estas afirmações, provando que os cães são capazes de se lembrar e repetir ações complexas realizadas pelos humanos. Sim, a ciência comprovou que nós e eles usamos a mesma área do cérebro para processar a informação que recebemos e fazemo-lo de modo similar.

Dos que partilham o dia-a-dia com cães, quem é que nunca se sentiu vigiado pelo seu companheiro de quatro patas? De manhã à noite, os meus dois cães inspecionam para que local vou logo quando me levanto: ‘será que vai já para a para a cozinha’? Observam o que preparo para o pequeno-almoço: ‘irá à cesta do pão ou ao frigorífico’?

Há um ingrediente que lhes suscita sempre a atenção. A comida…claro. Por exemplo, quando chego a casa, inspecionam sempre a mochila se, por acaso, traz dentro dela a metade da sandes que mandei embrulhar ao lanche. Mas a observação deles também vai para tarefas menos interessantes, mas que, na dúvida, sempre poderão ser aliciantes: levar o lixo à rua, que implica também descerem as escadas comigo, estender a roupa, porque dá para irem ladrar para a varanda, ou uma simples ida à casa-de-banho, sempre pode ser aproveitada para pedirem festas. A segunda questão é: processam essa informação? Lembrar-se-ão dela?

Os investigadores, mais uma vez, vêm em nosso auxílio, e dizem que sim. Eles seriam capazes de reter atividades menos excitantes e até mesmo executá-las.

Um estudo publicado no ano passado na revista Current Biology por três investigadores da Universidade de Budapeste conclui que os cães lembram-se não só do que eles fazem, mas também do que fazemos. “Mesmo quando esses episódios parecem não ser importante para eles”, assegura, em comunicado de imprensa, a principal autora do estudo, Claudia Fugazza, do Departamento de Etologia e MTA-ELTE Grupo de Investigação e Etologia Comparada da Universidade Eotvos Lorand na capital húngara. “Além disso, o nosso estudo mostra que os cães não só se conseguem lembrar do que fizeram, mas também das ações que os outros, neste caso o seu dono, realizaram “, acrescenta a cientista.

O estudo incidiu sobre o que é denominado de memória episódica, ou seja, a que funciona para que nós, humanos, lembremos coisas importantes que não acreditamos importantes no momento em que acontecem. Para verificar se os cães tinham este tipo de capacidade, os cientistas treinaram 17 cães de várias raças e cruzamentos com um sistema criado por Fugazza e denominado de ‘Do as I Do’ (Faz o que eu faço), um método que a autora descreveu, inicialmente, no seu livro com o mesmo nome.

“Com este método, os cães aprendem a combinar o seu comportamento com o que é mostrado pelos os seres humanos, mediante a ordem “Faz”. Por exemplo, o dono salta e, em seguida, dá a ordem e o cão salta também. Os animais treinados desta forma podem imitar as ações dos seus donos até mesmo 24 horas depois. O que significa que, dar a ordem “Faz” depois de algum tempo é, de alguma forma, o equivalente a perguntar: ‘Lembras-te do que fez o teu dono?’ “, explica a autora numa nota que acompanha o resumo do estudo.

“Para investigar a memória episódica precisávamos que a prova de imitação fosse inesperada para os cães. Então, voltamos a treiná-los, a fim de mudar as suas expectativas de receber a ordem de imitação. Independentemente das ações executadas pelo dono, a eles ordenou-se-lhes sempre que se deitassem”, continua Fugazza. “Desta forma, ensinamos-lhes que as ações que lhes foram mostradas já não eram relevantes, porque qualquer que fosse a ação do seu dono, ao cão ordenava-se sempre que se deitasse. Então, depois de certificarmos que os cães não esperavam a ordem de imitação, mostramos ações quotidianas e surpreendíamo-los quando recebiam a ordem ‘faz’. Se os cães conseguem recordar e imitar quando testados de forma inesperada, isso significa que usam uma memória semelhante à episódica para recordar tarefas diárias que lhes foram mostradas”.

A investigadora explicou ainda que estudos prévios tinham descoberto provas da existência de uma memória semelhante à episódica em outras espécies, incluindo primatas, ratos e pombos. “As investigações prévias usavam estímulos simples, por exemplo, a presença ou a ausência de comida. Estas provas foram realizadas em laboratório, que é uma condição muito diferente e menos rica em comparação com a vida real”. “De qualquer forma, não se sabia se os animais podiam usar a memória episódica para recordar eventos complexos que ocorrem na vida real. O nosso estudo é o primeiro a examinar se os cães, no seu ambiente natural, podem ou não lembrar-se de eventos complexos e elaborados em conteúdo que se assemelhem aos que ocorrem na vida real”, destaca a investigadora.

Além disso, esta é a primeira investigação que estuda as memórias das ações de outros, que não foram realizadas pelos mesmos indivíduos estudados; os cães foram convidados a imitar ações anteriormente desempenhadas pelos seus donos. Deste modo, eles tinham de se lembrar de factos que tinham visto, mas não realizados”.

Será que isto significa que, quando chegarmos a casa, cansados do dia de trabalho, iremos dar de cara com o nosso cão a preparar o jantar. Vamos sonhando com isso!

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Mostrar 2 comentários
  • Maria José Oliveira
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    Gostei imenso do vosso artigo, posso garantir que é mesmo verdade o meu cão, PA o Kaiser, quando chego a casa mete o nariz na minha mala á procura de algum biscoito, de manhã quando o despertador toca já está á porta do quarto, no fim de semana, como não me levanto á mesma hora bate á porta com a pata “como que dizendo…mãe hoje não te levantas?”

  • Eduardo Neves e Melo
    Responder

    Confesso-me fortemente inclinado a acreditar no acima exposto, através dos estudos efectuados por esta investigadora.
    Já tive gatos e uma cadela Basset Hound. Foram, para além de companhias maravilhosas, uma surpresa em termos de inteligência (eu chamo-lhe assim).
    Penso que ainda temos muito a aprender sobre estes seres maravilhosos.
    E até deixo uma pergunta marota (ou talvez não). Eu fi-la, nos meus tempos de Liceu, ao Padre que era nosso professor de Religião e Moral, o que lhe provocou uma risada acompanhada por toda a turma.
    “Os animais, ditos irracionais, têm alma?”
    O que separará o corpo deles vivos do seu corpo inerte, depois de mortos, tal como conosco?
    Desculpem-me, mas não estou a brincar.

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